Os insetos dominam o mundo, com a
maioria das espécies e a maioria dos indivíduos sobre a face da terra. E as
FORMIGAS dominam o mundo dos insetos. Não em número de espécies, mas
quantidadede indivíduos. Cerca de 75% da biomassa de insetos em uma floresta
são de abelhas, vespas e principalmente, formigas. Além disso, as formigas são
uns dos principais animais sociais, com a maior organização conhecida...
Reconhecendo
Formigas
são himenópteros, juntamente com as vespas e abelhas. Formigas
são a família Formicidae, apenas uma das cerca de 91 famílias da ordem Hymenoptera.
E identificá-las não é um grande problema. A princípio todas têm a mesma cara,
e até uma criança sabe olhar para elas e dizer: uma formiga. Mas para tirar
qualquer dúvida, basta olhar a forma da sua cintura, os dois segmentos
abdominais que unem o tórax ao abdômen.
O primeiro segmento abdominal (ou os dois primeiros segmentos
abdominais) são em forma de nódulo, ou com uma corcunda, diferindo dos demais
segmentos. Antenas com 6 a 13 segmentos, com uma forte angulação em forma de
cotovelo, pelo menos nas fêmeas. O primeiro segmento da antena bastante longo.
Insetos sociais, com diferenciação de castas. Rainhas e machos em geral têm
asas, pelo menos em um período da vida. Venações das asas normais ou muito
reduzidas.
E em termos práticos, apenas poucos artrópodos têm a cara de formiga.
Alguns percevejos e aranhas mimetizam formigas, mas fica fácil distingui-los
pois o primeiro têm aparelho bucal sugador e não mandíbulas e o segundo não é
um inseto, têm 8 patas e tórax emendado com a cabeça. Uma vespa áptera (sem
asas) chamada Velvet Ant, ou formiga veludo, parece com uma formiga, mas ela é
colorida de amarelo ou vermelho e nenhuma formiga têm aquelas manchas. E a
cintura e as antenas são bem diferentes.
Identificar a formiga já é outra história. Existem quase 9000 espécies
descritas em pouco menos de 300 gêneros. Para identificar os gêneros existe uma
chave no livro The Ants que está na nossa literatura sugerida. Agora, para
identificar espécies, a não ser em casos de espécies muito comuns e diferentes,
só com a utilização de chaves específicas. E as vezes são necessárias até
análises químicas. Mas para o nosso uso corriqueiro, saber qual é o gênero, as
vezes a tribo, já é o suficiente.
A importância 1.
"Formigas estão por
toda parte, mas só eventualmente são percebidas. Elas percorrem boa parte do
ambiente terrestre como principais revolvedoras de solo, canalizadoras de
energia e dominadoras da fauna de insetos, apesar de só serem mencionadas brevemente
nos livros-texto de ecologia. Elas empregam as mais complexas formas de
comunicação química entre os animais e sua organização social fornece um
esclarecedor contraste àquela dos seres humanos.
Medidas recentes sugerem que cerca de um terço de toda a biomassa animal
da floresta Amazônica de terra firme é composta de formigas e cupins, com cada
hectare de terra contendo mais de 8 milhões de formigas e um milhão de cupins.
Estes dois tipos de insetos, juntamente com abelhas e vespas correspondem a
algo em torno de 75% da biomassa animal. Formigas e cupins, de modo semelhante,
dominam as florestas e savanas no Zaire. Apesar de medidas de biomassa não
terem sido feitos em nenhum outro lugar, nossa impressão subjetiva, é de que os
insetos eussociais, principalmente as formigas, são comparativamente abundantes
na maioria dos principais ambientes ao redor do mundo.
Por exemplo, na savana da Costa do Marfim, a densidade de colônias de
formigas é de 7000 colônias e 20 milhões de indivíduos por hectare, com a
espécie Camponotus acvapimensis
chegando a ter 2 milhões. Tais hábitats africanos são freqüentemente visitados
por formigas de correição, cuja colônia pode chegar a ter 20 milhões de
operárias. E as formigas de correição estão longe de ser o máximo. A
'supercolônia' da formiga Formica
yessensis, na Costa Ishikari de Hokkaido já foi reportada com 306 milhões
de operárias e 1 milhão de rainhas, vivendo em 45000 ninhos interligados em um
território de 2.7 quilômetros quadrados.
A diversidade local das formigas também é substancial, excedendo e muito
a dos outros insetos sociais, refletindo a maneira pela qual as espécies de
formigas evoluíram saturando uma ampla gama de nichos de alimentação no solo e
na vegetação. No Rio Basu, na floresta tropical úmida baixa da Papua Nova
Guiné, Wilson coletou 172 espécies de formigas, pertencendo a 59 gêneros em uma
área de uma milha quadrada (2.6 km2). Outro pesquisador registrou 219 espécies
em 63 gêneros em uma milha quadrada em uma plantação de cacau e floresta em
Tafo, em Ghana, enquanto outro achou 272 espécies, em 71 gêneros em uma área
comparável em Agudos, São Paulo, Brasil. Em dois anos de trabalho de campo no
rio Yayapichis no Perú, um pesquisador encontrou 350 espécies em 71 gêneros.
Wilson identificou 43 espécies em 26 gêneros em apenas uma árvore na Amazônia
Peruana.
O impacto das formigas nos ambientes terrestres é igualmente grande. Na
maioria dos hábitats elas estão entre as maiores predadoras de outros insetos e
pequenos invertebrados. Formigas cortadoras de folhas são um dos principais
herbívoros e são pragas destrutivas na América Central e do Sul. Pogonomyrmex e outras formigas estão
entre os principais predadores de sementes, competindo efetivamente com
mamíferos por esta fonte de alimento nos desertos do sudoeste dos EUA. Em outra
zona adaptativa, formigas são suficientemente densas para reduzir a densidade
de aranhas de solo e besouros carabeídeos, especialmente quando estes
artrópodos são especializados a viver no chão ou na vegetação baixa. Onde
montanhas são frias o bastante para inviabilizar a persistência de formigas, a
população destas aranhas e destes besouros aumenta enormemente.
Não é nenhuma surpresa que as formigas alteram seu ambiente
profundamente. Nas florestas da Nova Inglaterra elas revolvem a mesma
quantidade de solo que minhocas e superam estas em florestas tropicais. Nas
florestas temperadas de Nova York elas são responsáveis pela dispersão de cerca
de 1/3 das espécies de plantas herbáceas, que representam cerca de 40% da
biomassa sobre o solo. Elas ajudam a ampliar a floresta em rocha nua na
Finlândia e vegetação de restinga em lagos de água salgada na Rússia. Como as
formigas carregam para o ninho restos de animais e plantas, misturando este
material com o solo escavado, a terra ao redor destes ninhos apresenta maior
índice de carbono, nitrogênio e fósforo. O chão então fica repartido em áreas
com variação de nutrientes, criando um gradiente de ocupação de diferentes
espécies de plantas. Os grandes ninhos de algumas formigas cortadeiras como o
gênero Atta, têm um grande impacto
nos ambientes locais. Nas florestas tropicais, onde menos de 0.1% dos nutrientes
permeia mais que 5 cm abaixo do solo, cortadeiras carregam grandes quantidades
de material vegetal fresco para as câmaras do ninho as vezes até 6 metros
abaixo do chão, aumentando entre 16 e 98 vezes a entrada de 13 elementos
através do solo em comparação com áreas não perturbadas pelas formigas
cortadeiras. Este enriquecimento resulta em um aumento de 4 vezes no
crescimento de raízes finas nestas áreas.
Finalmente, a abundância e a dominância ecológica das formigas se
equivale a sua enorme distribuição geográfica. Várias das 8800 espécies
descritas são encontradas do círculo polar ártico as áreas mais austrais da
Tasmania, Terra do Fogo e África. Não são encontradas apenas na Antártica,
Groelândia, Islândia, Polynesia a leste de Tonga e outras poucas ilhas remotas
no Atlântico e no Índico. Algumas espécies se adaptaram muito bem também a
ambientes perturbados. A maioria das cidades nos trópicos são residência de
espécies invasoras, levadas pelo homem em seu comércio mundial. A pequena
myrmecine Tetramorium simillimum pode ser facilmente
encontrada na Alexandria como nas praias do Taiti, assim como várias outras
espécies cosmopolitas."
Formigas de Casa
No Brasil é
muito comum encontrar formigas andando dentro de casa. Elas atacam o
açucareiro, ou outro doce que fique dando sopa na cozinha, atacam a comida do
cachorro ou do gato, e até o sabonete, em situações mais extremas. Nos quintais
podemos encontrar ninhos de lava-pé, cuja picada coça bastante e centenas
delas, quando pisamos no formigueiro, coçam mais ainda. O jardim também pode
sofrer algum estrago com as formigas cortadeiras, que cortam as folhas e as
carregam para dentro de seus ninhos para criar o fungo que cultivam. É fácil
encontrá-las quando fazem uma trilha cheia de folhinhas verdes andando como se
estivessem sozinhas.
Mas apesar de
incômodas, as formigas não fazem tanto mal assim. Elas são predadoras vorazes
de insetos, livrando nossa casa da presença destes. E lembre-se que baratas e
traças são insetos e estão entre pratos favoritos de várias das formigas
domésticas. Sempre que eu vejo formigas em casa e penso em acabar com elas eu
lembro: onde tem formigas costuma não ter baratas. Então elas ficam.
E quando elas
estão perturbando muito o açucareiro, sempre há alternativas para parar este
ataque. Colocar o açucareiro em um prato com água, fazendo um tipo de calabouço
medieval é uma boa solução, apesar de não ser muito prático: 'Me passa o
açucareiro, mas cuidado para não derramar a água do prato.' Mesmo assim,
funciona. E para aumentar a eficiência, um pouco de detergente na água ajuda
muito. Formigas não passam por detergente pois dissolve sua carapaça. Isto me
lembra que para desviar uma coluna de formigas, basta fazer uma barreira de
detergente líquido. Colocar o açucareiro sobre um tape-ware com louro também
ajuda. Formigas têm horror a louro. Já as formigas no quintal, não há muito que
fazer. Uma boa perturbada de vez em quando pode fazer elas se mudarem. Fazer
isto até que a mudança seja para fora do quintal, ou pelo menos para longe da
área de circulação. E para acabar com o ataque das cortadeiras, um anel de
graxa em volta do tronco impede que as formigas subam. Dai basta não deixar a
planta protegida encostar em nada que faça a 'ponte' para as formigas.
Cultivadoras
São também conhecidas como formigas
cortadeiras, devido ao seu hábito de cortar folhas em pedacinhos de cerca de
1cm, ou saúvas, aqui no Brasil. Apesar de a princípio parecer que estas
formigas se alimentam de folhas, que cortam e carregam em grande quantidade
para o interior de seus grandes ninhos, não para servir de comida, mas para sua
criação. Estas formigas criam fungos nas câmaras subterrâneas dos seus ninhos, alimentando-os
com as folhas frescas que trazem do lado de fora. Elas preparam o material
fresco antes de montar a cultura. Elas lambem e cortam as folhas em pedaços de
1 a 2 mm de diâmetro. Elas mastigam ao longo das bordas dos fragmentos até que
estes fiquem úmidos e macios, as vezes adicionando uma gota de uma secreção
anal à superfície. Depois, usando movimentos laterais do tarso, inserem os
fragmentos no substrato onde será acrescentado pedaços do fungo de outras
partes do jardim a porções do novo e recém preparado substrato. Um novo pedaço
de 1 mm de diâmetro de folha recém preparada recebe cerca até 10 pedaços do
fungo em cinco minutos. O novo fungo cresce rápido, cobrindo toda a superfície
do pedaço de substrato em cerca de 24 horas. Este fungo serve de alimento
obrigatório para os imaturos, sendo que as operárias se alimentam um pouco das
folhas que cortam e as rainhas comem os fungos, assim como também de ovos
tróficos: ovos colocados por algumas operárias só para alimentar a rainha.
Uma pergunta interessante que surge deste estilo de vida é como uma
rainha, que funda uma nova colônia sozinha, sem levar nenhuma operária,
consegue o fungo que lhe servirá de comida e para a sua prole, que ainda está
nascendo?
Ela leva miscetos (pequenos pedaços reprodutivos do fungo) em uma câmara
perto do seu esôfago, soltando-os no chão assim que cava a primeira câmara do
novo ninho. Este fungo então cresce rapidamente e em alguns dias já estará
servindo de comida para sua primeira leva de larvas.
Na África e no sul da Ásia e em outras partes do velho mundo, onde não
há formigas cortadeiras ou cultivadoras Attini, há um cupins Macroterminae que
ocupam o seu nicho, criando fungos para sua alimentação. Não se sabe se este
padrão complementar global de distribuição é resultado de exclusão competitiva
ou não. A princípio parece que não, já que as Attini modernas usam folhas
frescas e excremento de insetos, enquanto os cupins usam material morto de
plantas. Os attini também forrageiam sobre o solo, enquanto os cupins são primariamente
subterrâneos.
Perigosas?
Formigas não têm veneno ativo no
homem como algumas cobras e aranhas. Sua picada, apesar de poder ser muito
dolorosa, não costuma provocar maiores estragos sistêmicos, nem locais. Em
pessoas com alergia entretanto, uma picada de formiga, assim como de abelha ou
vespa, pode ser muito perigoso e até fatal. Casos de picadas maciças, como
acontece de vez em quando com abelhas, também poderiam ser perigosos, mas eu
não tenho conhecimento de nenhum acidente com picadas maciças de formigas, uma
vez que das formigas basta fugir correndo, que elas não voam atrás de nós.
Entretanto, algumas formigas, como esta Tucandeira amazônica têm uma
picada tão dolorosa que os gringos a chamam de Bullet Ant, ou formiga bala.
Isto porque, dizem, quem toma uma picada sente como se tivesse levado um tiro.
Um pesquisador amigo meu, W.W. Benson já me relatou uma picada que levou. Ele
disse estar andando e de repente estava deitado no chão com uma dor enorme.
Quem estava junto disse que ele apagou por uns 30 segundos depois da picada. Segundo
ele, doeu muito, mas também passou relativamente depressa. Outras ponerinae
também têm picada muito dolorosa e as lava-pés, comuns nos jardins urbanos, têm
uma picada ardida, que coça por um bom tempo depois da picada. Em geral tomamos
várias picadas quando pisamos no formigueiro. A picada que forma uma bolhinha
d'água, que, se estourada, coça mais ainda e demora ainda mais para sarar.
Vale a pena ressaltar, que pessoas alérgicas a picadas podem vir a ter
sérios problemas com formigas, já que elas estão por toda parte e uma picada
não é incomum. Caso seja alérgico, consulte o médico para o anti-histamínico
que você deve levar consigo ou para casos mais graves, para medicações ainda
mais rápidas.
Além disso, quem são 'formigófobos', lembrem que nem sempre as formigas
são prejudiciais e podem até ser muito úteis.
Escravisadoras 1.
Pesquisadores no século XVIII
perceberam que alguns ninhos de formigas eram formados por mais de uma espécie,
o que é muito estranho visto a agressividade das formigas com espécies
invasoras. É só uma espécie de formiga encontrar outra para que haja um combate
mortal ou então uma fuga mais que relâmpago. Em 1810, um pesquisador chamado
Huber descreveu este comportamento, descobrindo que formigas de espécies dos
grupos Polyergus rufescens e Formica sanguinea invadiam o ninho de outras
espécies de formigas, matavam as operárias e roubavam ovos, larvas e pupas,
levando-os para o seu ninho. Lá, estes imaturos emergiam e se comportavam como
operárias da sua nova casa, das formigas Polyergus ou Formica, trabalhando em
várias funções do ninho.
Este comportamento foi posteriormente
bem documentado e uma das melhores descrições foi feita justamente com a
espécie Formica sanguinea, uma espécie Européia. Como Wheeler descreveu, estas
'formigas sanguinárias' são muito agressivas, dominando os arredores dos seus
ninhos mais ricos em alimento. Elas são escravizadoras facultativas, uma vez
que ninhos podem ser encontrados sem nenhuma escrava e também, operárias isoladas
em laboratório são capazes de conduzir todos os afazeres do ninho, incluindo
construção. De um modo geral, as sanguinea escravizam os ninhos mais próximos
do seu e às vezes duas ou três espécies de escravas são encontradas no mesmo
ninho simultaneamente e a composição de escravas pode variar de ano para ano.
De acordo com Forel, as expedições de escravizamento são infrequentes,
ocorrendo duas ou três vezes ao ano. O exército de operárias em geral sai pela
manhã e retorna no final da tarde, mas isto depende da distância do ninho da
sanguinea para o ninho a ser saqueado. Esta coluna de formigas se move
diretamente para o ninho atacado, pelo caminho mais curto e sobre quais quer
obstáculos que estiverem no caminho. Quando chegam ao ninho a ser pilhado, elas
não entram de imediato. Esperam ao redor a chegada das outras formigas.
Enquanto isto, as formigas atacadas preparam para se defender, e tentam quebrar
o cordão de isolamento ao redor do seu ninho para poderem escapar. Elas correm
com suas larvas e pupas nas mandíbulas e fogem pelo chão. As formigas
sanguinárias entretanto interceptam sua fuga, pegam sua carga e começam a
invadir o ninho pelas suas diferentes entradas. Elas matam as operárias
inimigas apenas quando estas oferecem resistência violenta. Pegam os ovos,
larvas e pupas que restaram após a tentativa de fuga e voltam para o seu ninho.
Uma vez em seu ninho, elas criam as larvas que após empuparem, eclodem, vindo a
se comportar como se fosse uma das formigas em seu novo ninho.
O ápice do modo de vida escravizador é
atingido pelas formigas do gênero Polyergus, um grupo totalmente escravagista,
derivado diretamente do gênero Formica. Elas são chamadas de formigas amazonas,
apesar de não ter nada a ver com a nossa Amazônia. Wheeler novamente descreveu
muito bem o comportamento desta espécie: a operária é muito brigona e podem ser
distinguida das outras formicinae pela sua mandíbula em forma de estilete, sem
dentes, mas pequenos dentículos. Tais mandíbulas não são adaptadas para cavar
na terra ou para manipular larvas e pupas de pele fina e movê-las pelas câmaras
estreitas do ninho, mas são impressionantemente aptas a perfurar a armadura de
formigas adultas. As amazonas nunca escavam seus próprios ninhos ou cuidam da
prole. São inclusive incapazes de obter sua própria comida, mas podem ingerir
líquidos que entrem em contato direto com suas pequenas línguas. Para a comida,
moradia e educação elas são totalmente dependentes das formigas escravizadas
eclodidas dos casulos que elas pilharam. Sem estas escravas elas são
praticamente incapazes de sobreviver e são sempre encontradas em ninhos com a
arquitetura do da espécie com a qual estão misturadas. Quando estão no ninho,
as amazonas demonstram dois comportamentos: ficam paradas, completamente
imóveis, como se estivessem na maior preguiça, ou ficam pedindo comida para as
escravas ou ficam se limpando. Mas uma vez fora do ninho, em suas expedições,
elas demonstram uma coragem impressionante e uma ação coordenada comparada,
especialmente comparada com a ação descoordenada dos ataques das sanguinea. As
amazonas são muito mais especializadas que as sanguinea, mas para atingir este
estágio, se tornaram irremediavelmente dependentes e parasitárias das suas
escravas. As colônias de amazonas costumam ter algo entre 300 e 500 operárias,
podendo pilhar até 30000 imaturos da formiga escravizada em uma temporada de
ataques, sendo que só 1/3 destes chegam a crescer, muitos sendo danificados,
pelas mandíbulas inapropriadas para este fim, durante o transporte. A tática de
ataque da amazonas é diferente da formiga sanguinária. Elas saem do seu ninho
rapidamente, e correm até o ninho a ser saqueado, a uma velocidade de 3
centímetros por segundo. Quando chegam no ninho atacado, não hesitam como as
sanguinárias, mas entram de uma vez, pegam a prole e saem novamente, voltando
para casa. Quando são confrontadas pelas operárias do ninho atacado, elas
perfuram suas cabeças ou tórax, normalmente matando uma grande quantidade
destas.
Escravismo Verdadeiro
Entretanto, quando uma espécie captura
outra e usa o seu trabalho para seu proveito, no caso dos seres humanos, nós
não chamamos de escravismo, mas de domesticação. Nos casos descritos
anteriormente, mesmo sendo dentro da mesma família Formicidae, as
escravisadoras capturam espécies diferentes e as domesticam como nós
domesticamos gado, cães e gatos. Seria como se nós domesticássemos primatas, o
que efetivamente acontece.
O verdadeiro escravismo acontece quando
uma espécie usa o trabalho da sua mesma espécie, mas de origem diferente, nem
que seja de um visinho. E isto também acontece entre as formigas. Algumas
espécies capturam imaturos da sua própria espécie de ninhos diferentes, ou de
espécies do mesmo gênero, que uma vez eclodindo dentro de seu ninho, tornam-se
escravas, cuidando dos afazeres do ninho como se este fosse o seu.
Altruismo 2.
Formigas e
abelhas são conhecidas pela sua organização social, com divisão de castas de
trabalho e casta reprodutiva. As operárias normalmente não se reproduzem, ou em
alguns casos de algumas formigas, se reproduzem apenas muito eventualmente. As
rainhas geram a casta das operárias e também as futuras rainhas que voarão e se
reproduzirão fora do ninho, formando novas colônias. As operárias não deixam
descendentes.
Este estilo
de vida altruísta das operárias, trabalhando para 'o bem da colônia',
aparentemente vai contra a idéia de seleção natural. A seleção é individual,
age selecionando o conjunto de genes mais adaptado e os genes estão dentro de
cada indivíduo. As abelhas e a idéia de um animal não se reproduzir já
intrigava o próprio Darwin, em seu livro A Origem das Espécies. Se o indivíduo
não deixa descendentes, como a herança deste comportamento pode ser perpetuada
sem passar este gene para os descendentes dos animais que o possuem? Porque
genes sem este comportamento não surgem e se fixam na população?
O gene é
passado, não da mãe (operária) para uma possível filha, mas pela irmã
reprodutiva, que virará rainha. Cooperando com a construção e manutenção da
colônia, a operária aumenta a chance de uma de suas irmãs se reproduzir e
deixar descendentes e com isto, seus genes. É a vantagem de viver em uma
sociedade muito bem organizada, e compartilhando uma grande quantidade de genes
entre si. Mas no caso das formigas e abelhas, há um motivo ainda mais forte: Os
himenópteros têm um sistema reprodutivo diferente dos demais animais. Enquanto
nós e a maioria dos outros seres, somos diplóides, eles são haplodiplóides.
Os diplóides
têm pares de cromossomos. No nosso caso, 23 pares. Enquanto nos animais
haplodiplóides, as fêmeas têm pares de cromossomos e os machos apenas um
conjunto de cromossomos. E isto muda completamente as proporções de genes
passados de pais para filhos e também entre parentes.
Em nós,
diplóides, nossa relação com os pais é de 50%. Nós recebemos metade do conjunto
genético de cada pai. Nossos irmãos também recebem metade do conjunto genético
dos nossos pais. Com isto, nós nos assemelhamos em média 50% com nossos irmãos.
Em média porque nós podemos ter um irmão que herdou os outros 50% de cada pai e
por isto ter 0% de genes em comum conosco, enquanto outro pode ter herdado os
mesmos 50% de genes que nós dos dois pais, sendo 100% iguais a nós. Como são
muitos e muitos genes, a média acaba sendo de 50%.
Enquanto isto, os haplodiplóides
herdam 50% dos genes da mãe, sendo assim, como os diplóides, semelhantes em 50%
com a mãe. Mas como o pai tem apenas 1 conjunto de cromossomos, seu conjunto
inteiro de genes é transmitido para seus descendentes, sendo a semelhança entre
pai e filhos de 100%. Até ai tudo bem, afinal a colônia é formada por operárias
e rainhas, e a questão é porque as operárias não deixam filhos, com 50% dos
seus genes? A resposta está na semelhança entre as irmãs. Como cada irmã recebe
100% dos genes do mesmo pai, a semelhança entre elas é maior que de mãe para
filha. As irmãs se assemelham em média em 75% dos genes. Esta peculiaridade é
chamada de REGRA DA HAMILTON.
Com isto, uma
operária que coopera efetivamente com a sobrevivência e melhor preparo de
futuras rainhas, irmãs com 75% de semelhança entre si, elas estarão colaborando
mais para a transmissão de genes que deixando suas próprias filhas com 50% de
semelhança.
Esta é uma
visão simplificada do sistema de reprodução dos himenópteros, que fica um pouco
mais complicado quando há espécies cuja fêmea é fertilizada por mais de um
macho e também porque para as operárias, cuidar de seus próprios filhos machos
pode ser mais vantajoso que cuidar de um irmão. Por isto, há variações neste
sistema. Algumas operárias realmente têm filhos machos que voarão e se
reproduzirão.
Correição
Segundo Wilson3, nenhum espetáculo no
mundo é mais excitante e mistificador que uma colônia de formigas de correição
(Army Ants) em marcha. Em seu livro, Wheeler expressou a poesia desta cena:
"As formigas guias e as
legionárias são os Hunos e Tártaros do mundo dos insetos. Seu vasto exército de
formigas cegas, mas altamente cooperativas e polimórficas, preenchidas com um
apetite carnívoro insaciável e uma paixão por migrações eternas..."
Formigas de correição são nômades que
se movem constantemente, com ninho e tudo. O ninho temporário não passa de um
amontoado de formigas, as vezes em uma fresta no chão ou em um tronco, presas
umas as outras, com a rainha e os imaturos no meio. Estes ninhos temporários
ficam no mesmo lugar por alguns dias, enquanto as formigas fazem linhas de
caça, as vezes com metros de largura, capturando e matando tudo que puderem
carregar de volta. Elas predam outros artrópodos, e até pequenos vertebrados
como sapinhos e lagartos. Fazem estas linhas de caça em várias direções, até
mudarem o ninho completo, carregando ovos, larvas e pupas, junto com a rainha,
até um novo local temporário, de onde partirão novas linhas de caça. Em algumas
espécies que ocorrem na América do Sul e Central, como as do gênero Eciton, o
colônia pode ter algo entre 150 e 700 mil operárias. Uma espécie africana do
gênero Dorylus pode checar a ter de 2 a 20 milhões de operárias.
As colunas de caça de algumas
espécies como a Eciton hamatum são ramificadas e menos densas, espalhando-se em
3 ou 4 grandes braços, que se dividem em mais 3 ou 4 cada. Já colunas como da
Eciton burchelli, uma das mais famosas formigas de correição, podem ser
praticamente únicas, ramificadas na mesma direção, formando uma ampla e densa
frente de caça, eventualmente com alguma frente secundária pequena.
Para encontrar uma correição no meio
de uma mata tropical densa e completamente fechada não é muito difícil,
especialmente nas matas equatoriais. Basta fazer silêncio no início da manhã,
ouvindo apenas os poucos pássaros de dossel cantando eventualmente. De repente,
pássaros seguidores de correição começam seu frenesi, procurando insetos que
barulhosamente fogem desesperados da coluna de caça da correição. O barulho é
como se levantassem o tapete de folhas do chão da mata e o arrastassem lentamente.
Milhões de pesinhos andando sobre as folhas fazem um som inconfundível.
Mas ao contrário do que o mito diz,
estas colunas não chegam a quilômetros de larguras, mas talvez metros, e até
dezena de metros. Não comem as pessoas que não saem do seu caminho, apesar de
que sua picada, inevitável se ficarmos efetivamente no caminho, é dolorosa, sem
falar no beliscão do soldado que efetivamente tira sangue. Várias picadas
desta, em quem persistir em não sair do caminho, deve doer muito. Mas não há o
perigo delas lhe prenderem em uma armadilha Guliveriana. Qualquer um pode fugir
facilmente, e normalmente o faz instintivamente.
1. Hölldobler B. & Wilson, E. O. The Ants. Belknap Harvard.
2. Alcock J. Animal Behavior. Sinauer.
3. Wilson, E. O. 1992. Diversidade da Vida. Companhia das Letras.