domingo, 8 de janeiro de 2012

Formigas: guia quase completo

Os insetos dominam o mundo, com a maioria das espécies e a maioria dos indivíduos sobre a face da terra. E as FORMIGAS dominam o mundo dos insetos. Não em número de espécies, mas quantidadede indivíduos. Cerca de 75% da biomassa de insetos em uma floresta são de abelhas, vespas e principalmente, formigas. Além disso, as formigas são uns dos principais animais sociais, com a maior organização conhecida...
Reconhecendo
Formigas são himenópteros, juntamente com as vespas e abelhas. Formigas são a família Formicidae, apenas uma das cerca de 91 famílias da ordem Hymenoptera. E identificá-las não é um grande problema. A princípio todas têm a mesma cara, e até uma criança sabe olhar para elas e dizer: uma formiga. Mas para tirar qualquer dúvida, basta olhar a forma da sua cintura, os dois segmentos abdominais que unem o tórax ao abdômen.

O primeiro segmento abdominal (ou os dois primeiros segmentos abdominais) são em forma de nódulo, ou com uma corcunda, diferindo dos demais segmentos. Antenas com 6 a 13 segmentos, com uma forte angulação em forma de cotovelo, pelo menos nas fêmeas. O primeiro segmento da antena bastante longo. Insetos sociais, com diferenciação de castas. Rainhas e machos em geral têm asas, pelo menos em um período da vida. Venações das asas normais ou muito reduzidas.

E em termos práticos, apenas poucos artrópodos têm a cara de formiga. Alguns percevejos e aranhas mimetizam formigas, mas fica fácil distingui-los pois o primeiro têm aparelho bucal sugador e não mandíbulas e o segundo não é um inseto, têm 8 patas e tórax emendado com a cabeça. Uma vespa áptera (sem asas) chamada Velvet Ant, ou formiga veludo, parece com uma formiga, mas ela é colorida de amarelo ou vermelho e nenhuma formiga têm aquelas manchas. E a cintura e as antenas são bem diferentes.

Identificar a formiga já é outra história. Existem quase 9000 espécies descritas em pouco menos de 300 gêneros. Para identificar os gêneros existe uma chave no livro The Ants que está na nossa literatura sugerida. Agora, para identificar espécies, a não ser em casos de espécies muito comuns e diferentes, só com a utilização de chaves específicas. E as vezes são necessárias até análises químicas. Mas para o nosso uso corriqueiro, saber qual é o gênero, as vezes a tribo, já é o suficiente. 

A importância 1.
"Formigas estão por toda parte, mas só eventualmente são percebidas. Elas percorrem boa parte do ambiente terrestre como principais revolvedoras de solo, canalizadoras de energia e dominadoras da fauna de insetos, apesar de só serem mencionadas brevemente nos livros-texto de ecologia. Elas empregam as mais complexas formas de comunicação química entre os animais e sua organização social fornece um esclarecedor contraste àquela dos seres humanos.
Medidas recentes sugerem que cerca de um terço de toda a biomassa animal da floresta Amazônica de terra firme é composta de formigas e cupins, com cada hectare de terra contendo mais de 8 milhões de formigas e um milhão de cupins. Estes dois tipos de insetos, juntamente com abelhas e vespas correspondem a algo em torno de 75% da biomassa animal. Formigas e cupins, de modo semelhante, dominam as florestas e savanas no Zaire. Apesar de medidas de biomassa não terem sido feitos em nenhum outro lugar, nossa impressão subjetiva, é de que os insetos eussociais, principalmente as formigas, são comparativamente abundantes na maioria dos principais ambientes ao redor do mundo.

Por exemplo, na savana da Costa do Marfim, a densidade de colônias de formigas é de 7000 colônias e 20 milhões de indivíduos por hectare, com a espécie Camponotus acvapimensis chegando a ter 2 milhões. Tais hábitats africanos são freqüentemente visitados por formigas de correição, cuja colônia pode chegar a ter 20 milhões de operárias. E as formigas de correição estão longe de ser o máximo. A 'supercolônia' da formiga Formica yessensis, na Costa Ishikari de Hokkaido já foi reportada com 306 milhões de operárias e 1 milhão de rainhas, vivendo em 45000 ninhos interligados em um território de 2.7 quilômetros quadrados.

A diversidade local das formigas também é substancial, excedendo e muito a dos outros insetos sociais, refletindo a maneira pela qual as espécies de formigas evoluíram saturando uma ampla gama de nichos de alimentação no solo e na vegetação. No Rio Basu, na floresta tropical úmida baixa da Papua Nova Guiné, Wilson coletou 172 espécies de formigas, pertencendo a 59 gêneros em uma área de uma milha quadrada (2.6 km2). Outro pesquisador registrou 219 espécies em 63 gêneros em uma milha quadrada em uma plantação de cacau e floresta em Tafo, em Ghana, enquanto outro achou 272 espécies, em 71 gêneros em uma área comparável em Agudos, São Paulo, Brasil. Em dois anos de trabalho de campo no rio Yayapichis no Perú, um pesquisador encontrou 350 espécies em 71 gêneros. Wilson identificou 43 espécies em 26 gêneros em apenas uma árvore na Amazônia Peruana.

O impacto das formigas nos ambientes terrestres é igualmente grande. Na maioria dos hábitats elas estão entre as maiores predadoras de outros insetos e pequenos invertebrados. Formigas cortadoras de folhas são um dos principais herbívoros e são pragas destrutivas na América Central e do Sul. Pogonomyrmex e outras formigas estão entre os principais predadores de sementes, competindo efetivamente com mamíferos por esta fonte de alimento nos desertos do sudoeste dos EUA. Em outra zona adaptativa, formigas são suficientemente densas para reduzir a densidade de aranhas de solo e besouros carabeídeos, especialmente quando estes artrópodos são especializados a viver no chão ou na vegetação baixa. Onde montanhas são frias o bastante para inviabilizar a persistência de formigas, a população destas aranhas e destes besouros aumenta enormemente.

Não é nenhuma surpresa que as formigas alteram seu ambiente profundamente. Nas florestas da Nova Inglaterra elas revolvem a mesma quantidade de solo que minhocas e superam estas em florestas tropicais. Nas florestas temperadas de Nova York elas são responsáveis pela dispersão de cerca de 1/3 das espécies de plantas herbáceas, que representam cerca de 40% da biomassa sobre o solo. Elas ajudam a ampliar a floresta em rocha nua na Finlândia e vegetação de restinga em lagos de água salgada na Rússia. Como as formigas carregam para o ninho restos de animais e plantas, misturando este material com o solo escavado, a terra ao redor destes ninhos apresenta maior índice de carbono, nitrogênio e fósforo. O chão então fica repartido em áreas com variação de nutrientes, criando um gradiente de ocupação de diferentes espécies de plantas. Os grandes ninhos de algumas formigas cortadeiras como o gênero Atta, têm um grande impacto nos ambientes locais. Nas florestas tropicais, onde menos de 0.1% dos nutrientes permeia mais que 5 cm abaixo do solo, cortadeiras carregam grandes quantidades de material vegetal fresco para as câmaras do ninho as vezes até 6 metros abaixo do chão, aumentando entre 16 e 98 vezes a entrada de 13 elementos através do solo em comparação com áreas não perturbadas pelas formigas cortadeiras. Este enriquecimento resulta em um aumento de 4 vezes no crescimento de raízes finas nestas áreas.

Finalmente, a abundância e a dominância ecológica das formigas se equivale a sua enorme distribuição geográfica. Várias das 8800 espécies descritas são encontradas do círculo polar ártico as áreas mais austrais da Tasmania, Terra do Fogo e África. Não são encontradas apenas na Antártica, Groelândia, Islândia, Polynesia a leste de Tonga e outras poucas ilhas remotas no Atlântico e no Índico. Algumas espécies se adaptaram muito bem também a ambientes perturbados. A maioria das cidades nos trópicos são residência de espécies invasoras, levadas pelo homem em seu comércio mundial. A pequena myrmecine Tetramorium simillimum pode ser facilmente encontrada na Alexandria como nas praias do Taiti, assim como várias outras espécies cosmopolitas."

Formigas de Casa
No Brasil é muito comum encontrar formigas andando dentro de casa. Elas atacam o açucareiro, ou outro doce que fique dando sopa na cozinha, atacam a comida do cachorro ou do gato, e até o sabonete, em situações mais extremas. Nos quintais podemos encontrar ninhos de lava-pé, cuja picada coça bastante e centenas delas, quando pisamos no formigueiro, coçam mais ainda. O jardim também pode sofrer algum estrago com as formigas cortadeiras, que cortam as folhas e as carregam para dentro de seus ninhos para criar o fungo que cultivam. É fácil encontrá-las quando fazem uma trilha cheia de folhinhas verdes andando como se estivessem sozinhas.


Mas apesar de incômodas, as formigas não fazem tanto mal assim. Elas são predadoras vorazes de insetos, livrando nossa casa da presença destes. E lembre-se que baratas e traças são insetos e estão entre pratos favoritos de várias das formigas domésticas. Sempre que eu vejo formigas em casa e penso em acabar com elas eu lembro: onde tem formigas costuma não ter baratas. Então elas ficam.

E quando elas estão perturbando muito o açucareiro, sempre há alternativas para parar este ataque. Colocar o açucareiro em um prato com água, fazendo um tipo de calabouço medieval é uma boa solução, apesar de não ser muito prático: 'Me passa o açucareiro, mas cuidado para não derramar a água do prato.' Mesmo assim, funciona. E para aumentar a eficiência, um pouco de detergente na água ajuda muito. Formigas não passam por detergente pois dissolve sua carapaça. Isto me lembra que para desviar uma coluna de formigas, basta fazer uma barreira de detergente líquido. Colocar o açucareiro sobre um tape-ware com louro também ajuda. Formigas têm horror a louro. Já as formigas no quintal, não há muito que fazer. Uma boa perturbada de vez em quando pode fazer elas se mudarem. Fazer isto até que a mudança seja para fora do quintal, ou pelo menos para longe da área de circulação. E para acabar com o ataque das cortadeiras, um anel de graxa em volta do tronco impede que as formigas subam. Dai basta não deixar a planta protegida encostar em nada que faça a 'ponte' para as formigas.

Cultivadoras
São também conhecidas como formigas cortadeiras, devido ao seu hábito de cortar folhas em pedacinhos de cerca de 1cm, ou saúvas, aqui no Brasil. Apesar de a princípio parecer que estas formigas se alimentam de folhas, que cortam e carregam em grande quantidade para o interior de seus grandes ninhos, não para servir de comida, mas para sua criação. Estas formigas criam fungos nas câmaras subterrâneas dos seus ninhos, alimentando-os com as folhas frescas que trazem do lado de fora. Elas preparam o material fresco antes de montar a cultura. Elas lambem e cortam as folhas em pedaços de 1 a 2 mm de diâmetro. Elas mastigam ao longo das bordas dos fragmentos até que estes fiquem úmidos e macios, as vezes adicionando uma gota de uma secreção anal à superfície. Depois, usando movimentos laterais do tarso, inserem os fragmentos no substrato onde será acrescentado pedaços do fungo de outras partes do jardim a porções do novo e recém preparado substrato. Um novo pedaço de 1 mm de diâmetro de folha recém preparada recebe cerca até 10 pedaços do fungo em cinco minutos. O novo fungo cresce rápido, cobrindo toda a superfície do pedaço de substrato em cerca de 24 horas. Este fungo serve de alimento obrigatório para os imaturos, sendo que as operárias se alimentam um pouco das folhas que cortam e as rainhas comem os fungos, assim como também de ovos tróficos: ovos colocados por algumas operárias só para alimentar a rainha.

Uma pergunta interessante que surge deste estilo de vida é como uma rainha, que funda uma nova colônia sozinha, sem levar nenhuma operária, consegue o fungo que lhe servirá de comida e para a sua prole, que ainda está nascendo?

Ela leva miscetos (pequenos pedaços reprodutivos do fungo) em uma câmara perto do seu esôfago, soltando-os no chão assim que cava a primeira câmara do novo ninho. Este fungo então cresce rapidamente e em alguns dias já estará servindo de comida para sua primeira leva de larvas.

Na África e no sul da Ásia e em outras partes do velho mundo, onde não há formigas cortadeiras ou cultivadoras Attini, há um cupins Macroterminae que ocupam o seu nicho, criando fungos para sua alimentação. Não se sabe se este padrão complementar global de distribuição é resultado de exclusão competitiva ou não. A princípio parece que não, já que as Attini modernas usam folhas frescas e excremento de insetos, enquanto os cupins usam material morto de plantas. Os attini também forrageiam sobre o solo, enquanto os cupins são primariamente subterrâneos.

Perigosas?
Formigas não têm veneno ativo no homem como algumas cobras e aranhas. Sua picada, apesar de poder ser muito dolorosa, não costuma provocar maiores estragos sistêmicos, nem locais. Em pessoas com alergia entretanto, uma picada de formiga, assim como de abelha ou vespa, pode ser muito perigoso e até fatal. Casos de picadas maciças, como acontece de vez em quando com abelhas, também poderiam ser perigosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum acidente com picadas maciças de formigas, uma vez que das formigas basta fugir correndo, que elas não voam atrás de nós.
Entretanto, algumas formigas, como esta Tucandeira amazônica têm uma picada tão dolorosa que os gringos a chamam de Bullet Ant, ou formiga bala. Isto porque, dizem, quem toma uma picada sente como se tivesse levado um tiro. Um pesquisador amigo meu, W.W. Benson já me relatou uma picada que levou. Ele disse estar andando e de repente estava deitado no chão com uma dor enorme. Quem estava junto disse que ele apagou por uns 30 segundos depois da picada. Segundo ele, doeu muito, mas também passou relativamente depressa. Outras ponerinae também têm picada muito dolorosa e as lava-pés, comuns nos jardins urbanos, têm uma picada ardida, que coça por um bom tempo depois da picada. Em geral tomamos várias picadas quando pisamos no formigueiro. A picada que forma uma bolhinha d'água, que, se estourada, coça mais ainda e demora ainda mais para sarar.

Vale a pena ressaltar, que pessoas alérgicas a picadas podem vir a ter sérios problemas com formigas, já que elas estão por toda parte e uma picada não é incomum. Caso seja alérgico, consulte o médico para o anti-histamínico que você deve levar consigo ou para casos mais graves, para medicações ainda mais rápidas.

Além disso, quem são 'formigófobos', lembrem que nem sempre as formigas são prejudiciais e podem até ser muito úteis.

Escravisadoras 1.
Pesquisadores no século XVIII perceberam que alguns ninhos de formigas eram formados por mais de uma espécie, o que é muito estranho visto a agressividade das formigas com espécies invasoras. É só uma espécie de formiga encontrar outra para que haja um combate mortal ou então uma fuga mais que relâmpago. Em 1810, um pesquisador chamado Huber descreveu este comportamento, descobrindo que formigas de espécies dos grupos Polyergus rufescens e Formica sanguinea invadiam o ninho de outras espécies de formigas, matavam as operárias e roubavam ovos, larvas e pupas, levando-os para o seu ninho. Lá, estes imaturos emergiam e se comportavam como operárias da sua nova casa, das formigas Polyergus ou Formica, trabalhando em várias funções do ninho.

Este comportamento foi posteriormente bem documentado e uma das melhores descrições foi feita justamente com a espécie Formica sanguinea, uma espécie Européia. Como Wheeler descreveu, estas 'formigas sanguinárias' são muito agressivas, dominando os arredores dos seus ninhos mais ricos em alimento. Elas são escravizadoras facultativas, uma vez que ninhos podem ser encontrados sem nenhuma escrava e também, operárias isoladas em laboratório são capazes de conduzir todos os afazeres do ninho, incluindo construção. De um modo geral, as sanguinea escravizam os ninhos mais próximos do seu e às vezes duas ou três espécies de escravas são encontradas no mesmo ninho simultaneamente e a composição de escravas pode variar de ano para ano. De acordo com Forel, as expedições de escravizamento são infrequentes, ocorrendo duas ou três vezes ao ano. O exército de operárias em geral sai pela manhã e retorna no final da tarde, mas isto depende da distância do ninho da sanguinea para o ninho a ser saqueado. Esta coluna de formigas se move diretamente para o ninho atacado, pelo caminho mais curto e sobre quais quer obstáculos que estiverem no caminho. Quando chegam ao ninho a ser pilhado, elas não entram de imediato. Esperam ao redor a chegada das outras formigas. Enquanto isto, as formigas atacadas preparam para se defender, e tentam quebrar o cordão de isolamento ao redor do seu ninho para poderem escapar. Elas correm com suas larvas e pupas nas mandíbulas e fogem pelo chão. As formigas sanguinárias entretanto interceptam sua fuga, pegam sua carga e começam a invadir o ninho pelas suas diferentes entradas. Elas matam as operárias inimigas apenas quando estas oferecem resistência violenta. Pegam os ovos, larvas e pupas que restaram após a tentativa de fuga e voltam para o seu ninho. Uma vez em seu ninho, elas criam as larvas que após empuparem, eclodem, vindo a se comportar como se fosse uma das formigas em seu novo ninho.

O ápice do modo de vida escravizador é atingido pelas formigas do gênero Polyergus, um grupo totalmente escravagista, derivado diretamente do gênero Formica. Elas são chamadas de formigas amazonas, apesar de não ter nada a ver com a nossa Amazônia. Wheeler novamente descreveu muito bem o comportamento desta espécie: a operária é muito brigona e podem ser distinguida das outras formicinae pela sua mandíbula em forma de estilete, sem dentes, mas pequenos dentículos. Tais mandíbulas não são adaptadas para cavar na terra ou para manipular larvas e pupas de pele fina e movê-las pelas câmaras estreitas do ninho, mas são impressionantemente aptas a perfurar a armadura de formigas adultas. As amazonas nunca escavam seus próprios ninhos ou cuidam da prole. São inclusive incapazes de obter sua própria comida, mas podem ingerir líquidos que entrem em contato direto com suas pequenas línguas. Para a comida, moradia e educação elas são totalmente dependentes das formigas escravizadas eclodidas dos casulos que elas pilharam. Sem estas escravas elas são praticamente incapazes de sobreviver e são sempre encontradas em ninhos com a arquitetura do da espécie com a qual estão misturadas. Quando estão no ninho, as amazonas demonstram dois comportamentos: ficam paradas, completamente imóveis, como se estivessem na maior preguiça, ou ficam pedindo comida para as escravas ou ficam se limpando. Mas uma vez fora do ninho, em suas expedições, elas demonstram uma coragem impressionante e uma ação coordenada comparada, especialmente comparada com a ação descoordenada dos ataques das sanguinea. As amazonas são muito mais especializadas que as sanguinea, mas para atingir este estágio, se tornaram irremediavelmente dependentes e parasitárias das suas escravas. As colônias de amazonas costumam ter algo entre 300 e 500 operárias, podendo pilhar até 30000 imaturos da formiga escravizada em uma temporada de ataques, sendo que só 1/3 destes chegam a crescer, muitos sendo danificados, pelas mandíbulas inapropriadas para este fim, durante o transporte. A tática de ataque da amazonas é diferente da formiga sanguinária. Elas saem do seu ninho rapidamente, e correm até o ninho a ser saqueado, a uma velocidade de 3 centímetros por segundo. Quando chegam no ninho atacado, não hesitam como as sanguinárias, mas entram de uma vez, pegam a prole e saem novamente, voltando para casa. Quando são confrontadas pelas operárias do ninho atacado, elas perfuram suas cabeças ou tórax, normalmente matando uma grande quantidade destas.

Escravismo Verdadeiro
Entretanto, quando uma espécie captura outra e usa o seu trabalho para seu proveito, no caso dos seres humanos, nós não chamamos de escravismo, mas de domesticação. Nos casos descritos anteriormente, mesmo sendo dentro da mesma família Formicidae, as escravisadoras capturam espécies diferentes e as domesticam como nós domesticamos gado, cães e gatos. Seria como se nós domesticássemos primatas, o que efetivamente acontece.

O verdadeiro escravismo acontece quando uma espécie usa o trabalho da sua mesma espécie, mas de origem diferente, nem que seja de um visinho. E isto também acontece entre as formigas. Algumas espécies capturam imaturos da sua própria espécie de ninhos diferentes, ou de espécies do mesmo gênero, que uma vez eclodindo dentro de seu ninho, tornam-se escravas, cuidando dos afazeres do ninho como se este fosse o seu.

Altruismo 2.
Formigas e abelhas são conhecidas pela sua organização social, com divisão de castas de trabalho e casta reprodutiva. As operárias normalmente não se reproduzem, ou em alguns casos de algumas formigas, se reproduzem apenas muito eventualmente. As rainhas geram a casta das operárias e também as futuras rainhas que voarão e se reproduzirão fora do ninho, formando novas colônias. As operárias não deixam descendentes.

Este estilo de vida altruísta das operárias, trabalhando para 'o bem da colônia', aparentemente vai contra a idéia de seleção natural. A seleção é individual, age selecionando o conjunto de genes mais adaptado e os genes estão dentro de cada indivíduo. As abelhas e a idéia de um animal não se reproduzir já intrigava o próprio Darwin, em seu livro A Origem das Espécies. Se o indivíduo não deixa descendentes, como a herança deste comportamento pode ser perpetuada sem passar este gene para os descendentes dos animais que o possuem? Porque genes sem este comportamento não surgem e se fixam na população?

O gene é passado, não da mãe (operária) para uma possível filha, mas pela irmã reprodutiva, que virará rainha. Cooperando com a construção e manutenção da colônia, a operária aumenta a chance de uma de suas irmãs se reproduzir e deixar descendentes e com isto, seus genes. É a vantagem de viver em uma sociedade muito bem organizada, e compartilhando uma grande quantidade de genes entre si. Mas no caso das formigas e abelhas, há um motivo ainda mais forte: Os himenópteros têm um sistema reprodutivo diferente dos demais animais. Enquanto nós e a maioria dos outros seres, somos diplóides, eles são haplodiplóides.

Os diplóides têm pares de cromossomos. No nosso caso, 23 pares. Enquanto nos animais haplodiplóides, as fêmeas têm pares de cromossomos e os machos apenas um conjunto de cromossomos. E isto muda completamente as proporções de genes passados de pais para filhos e também entre parentes.

Em nós, diplóides, nossa relação com os pais é de 50%. Nós recebemos metade do conjunto genético de cada pai. Nossos irmãos também recebem metade do conjunto genético dos nossos pais. Com isto, nós nos assemelhamos em média 50% com nossos irmãos. Em média porque nós podemos ter um irmão que herdou os outros 50% de cada pai e por isto ter 0% de genes em comum conosco, enquanto outro pode ter herdado os mesmos 50% de genes que nós dos dois pais, sendo 100% iguais a nós. Como são muitos e muitos genes, a média acaba sendo de 50%.


Enquanto isto, os haplodiplóides herdam 50% dos genes da mãe, sendo assim, como os diplóides, semelhantes em 50% com a mãe. Mas como o pai tem apenas 1 conjunto de cromossomos, seu conjunto inteiro de genes é transmitido para seus descendentes, sendo a semelhança entre pai e filhos de 100%. Até ai tudo bem, afinal a colônia é formada por operárias e rainhas, e a questão é porque as operárias não deixam filhos, com 50% dos seus genes? A resposta está na semelhança entre as irmãs. Como cada irmã recebe 100% dos genes do mesmo pai, a semelhança entre elas é maior que de mãe para filha. As irmãs se assemelham em média em 75% dos genes. Esta peculiaridade é chamada de REGRA DA HAMILTON.


Com isto, uma operária que coopera efetivamente com a sobrevivência e melhor preparo de futuras rainhas, irmãs com 75% de semelhança entre si, elas estarão colaborando mais para a transmissão de genes que deixando suas próprias filhas com 50% de semelhança.
Esta é uma visão simplificada do sistema de reprodução dos himenópteros, que fica um pouco mais complicado quando há espécies cuja fêmea é fertilizada por mais de um macho e também porque para as operárias, cuidar de seus próprios filhos machos pode ser mais vantajoso que cuidar de um irmão. Por isto, há variações neste sistema. Algumas operárias realmente têm filhos machos que voarão e se reproduzirão.

Correição
Segundo Wilson3, nenhum espetáculo no mundo é mais excitante e mistificador que uma colônia de formigas de correição (Army Ants) em marcha. Em seu livro, Wheeler expressou a poesia desta cena:

"As formigas guias e as legionárias são os Hunos e Tártaros do mundo dos insetos. Seu vasto exército de formigas cegas, mas altamente cooperativas e polimórficas, preenchidas com um apetite carnívoro insaciável e uma paixão por migrações eternas..."

Formigas de correição são nômades que se movem constantemente, com ninho e tudo. O ninho temporário não passa de um amontoado de formigas, as vezes em uma fresta no chão ou em um tronco, presas umas as outras, com a rainha e os imaturos no meio. Estes ninhos temporários ficam no mesmo lugar por alguns dias, enquanto as formigas fazem linhas de caça, as vezes com metros de largura, capturando e matando tudo que puderem carregar de volta. Elas predam outros artrópodos, e até pequenos vertebrados como sapinhos e lagartos. Fazem estas linhas de caça em várias direções, até mudarem o ninho completo, carregando ovos, larvas e pupas, junto com a rainha, até um novo local temporário, de onde partirão novas linhas de caça. Em algumas espécies que ocorrem na América do Sul e Central, como as do gênero Eciton, o colônia pode ter algo entre 150 e 700 mil operárias. Uma espécie africana do gênero Dorylus pode checar a ter de 2 a 20 milhões de operárias.

As colunas de caça de algumas espécies como a Eciton hamatum são ramificadas e menos densas, espalhando-se em 3 ou 4 grandes braços, que se dividem em mais 3 ou 4 cada. Já colunas como da Eciton burchelli, uma das mais famosas formigas de correição, podem ser praticamente únicas, ramificadas na mesma direção, formando uma ampla e densa frente de caça, eventualmente com alguma frente secundária pequena.

Para encontrar uma correição no meio de uma mata tropical densa e completamente fechada não é muito difícil, especialmente nas matas equatoriais. Basta fazer silêncio no início da manhã, ouvindo apenas os poucos pássaros de dossel cantando eventualmente. De repente, pássaros seguidores de correição começam seu frenesi, procurando insetos que barulhosamente fogem desesperados da coluna de caça da correição. O barulho é como se levantassem o tapete de folhas do chão da mata e o arrastassem lentamente. Milhões de pesinhos andando sobre as folhas fazem um som inconfundível.

Mas ao contrário do que o mito diz, estas colunas não chegam a quilômetros de larguras, mas talvez metros, e até dezena de metros. Não comem as pessoas que não saem do seu caminho, apesar de que sua picada, inevitável se ficarmos efetivamente no caminho, é dolorosa, sem falar no beliscão do soldado que efetivamente tira sangue. Várias picadas desta, em quem persistir em não sair do caminho, deve doer muito. Mas não há o perigo delas lhe prenderem em uma armadilha Guliveriana. Qualquer um pode fugir facilmente, e normalmente o faz instintivamente.




1. Hölldobler B. & Wilson, E. O. The Ants. Belknap Harvard.
2. Alcock J. Animal Behavior. Sinauer.
3. Wilson, E. O. 1992. Diversidade da Vida. Companhia das Letras.




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